ZONEAMENTO E PLANOS DIRETORES


By Renato Saboya

O que é o zoneamento e para quê serve?

O zoneamento é um instrumento amplamente utilizado nos planos diretores, através do qual a cidade é dividida em áreas sobre as quais incidem diretrizes diferenciadas para o uso e a ocupação do solo, especialmente os índices urbanísticos.
O zoneamento foi utilizado pela primeira vez na Alemanha, mas foi nos Estados Unidos que ele ganhou força, a partir do início do século XX (LEUNG, 2002). Alguns de seus principais objetivos são:
  • Controle do crescimento urbano;
  • Proteção de áreas inadequadas à ocupação urbana;
  • Minimização dos conflitos entre usos e atividades;
  • Controle do tráfego;
  • Manutenção dos valores das propriedades e do status quo (JUERGENSMEYER; ROBERT, 2003; ANDERSON, 1995);
Quanto a este último objetivo, cabem algumas ponderações. Apesar de, geralmente, essa intenção não estar explícita, parece haver um consenso entre vários autores de que ela foi a razão inicial para a utilização do zoneamento. No início, a motivação principal para a sua adoção era a de evitar que determinados tipos de usos do solo fossem instalados em determinadas áreas da cidade. Não por acaso, esses usos eram, na maioria das vezes, aqueles relacionados às classes mais baixas (tais como vilas, cortiços, habitação popular, comércios de pequeno porte, etc.). Por conta disso, o caráter excludente do zoneamento é alvo de muitas críticas, como veremos mais adiante.

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Modo de funcionamento

O zoneamento busca alcançar esses objetivos através do controle de dois elementos principais: o uso e o porte (ou tamanho) dos lotes e das edificações. Através disso, supõe-se que o resultado final alcançado através das ações individuais esteja de acordo com os objetivos do Município, que incluem proporcionalidade entre a ocupação e a infra-estrutura, necessidade de proteção de áreas frágeis e/ou de interesse cultural, harmonia do ponto de vista volumétrico, etc.
As figuras abaixo mostram combinações diferentes de parâmetros, gerando, por sua vez, espaços urbanos também diferentes.




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A forma típica de apresentação de um zoneamento é um mapa contendo as zonas, representadas por cores e siglas, complementado por uma parte textual em que as zonas são descritas e seus parâmetros urbanísticos são definidos, normalmente em forma de tabela.
 Mapa do zoneamento para a áea central de Florianópolis – SC. Fonte: IPUF.
Exemplo de índices urbanísticos aplicados às zonas definidas pelo Plano Diretor de Florianópolis (1997). Fonte: IPUF.

Minimização dos conflitos de usos do solo

Apesar de a mistura de usos ser amplamente reconhecida como interessante para a cidade, e até mesmo essencial, existem atividades que podem causar incômodos e, por isso, devem ter sua localização controlada.
Para isso, o plano diretor pode usar vários mecanismos:
  1. Limitações por zonas;
  2. Regulação paramétrica;
  3. Limitações pelo sistema viário;
Na limitação por zonas, a mais comum de todas, os usos e atividades são divididos em categorias (residencial, comercial, industrial, agrícola, etc., e suas subcategorias) e cada zona possui diretrizes quanto à possibilidade ou não de abrigar cada uma delas. Assim, por exemplo, o zoneamento pode determinar que uma porção da cidade pode abrigar usos residenciais e comerciais de pequeno porte (padarias, mercearias, etc.), mas não pode abrigar usos comerciais de grande porte nem usos industriais.
Exemplo de limitações dos usos de acordo com as zonas. Fonte: IPUF.

Na regulação paramétrica, a permissão ou proibição para que uma atividade se instale em um determinado local é definida com base em parâmetros de incomodidade (por ex. nível máximo de ruído em decibéis). Sua aplicação no Brasil, entretanto, parece ser problemática, não apenas por questões de recursos e infra-estrutura, mas também pela falta de transparência que pode trazer (afinal de contas, nem todo mundo dispõe de um decibelímetro para saber se o bar ao lado da sua casa está de acordo com a legislação).
As limitações pelo sistema viário também classificam os usos e atividades em categorias, e definem, para estas, níveis de incomodidade. A seguir, é aplicada a seguinte lógica:
  • Vias mais arteriais são mais tolerantes à incomodidade;
  • Vias mais locais são mais intolerantes à incomodidade.
Dessa forma, incentiva-se o uso misto em todas as zonas, e ao mesmo tempo é possível evitar que usos muito incompatíveis instalem-se lado a lado, com um bom nível de resolução se comparado ao das zonas.
Outra vantagem é que isso permite que as zonas adotadas pelo plano diretor sejam maiores, tornando o esquema geral mais fácil de entender. 
 
Exemplo de restrições à incomodidade aplicados ao sistema viário

Controle da intensidade de ocupação

Com relação ao porte da edificação, este é controlado através de índices que estabelecem, por exemplo:
  • O número máximo de pavimentos e/ou a altura total da edificação;
  • O Coeficiente de Aproveitamento máximo do lote (CA), que representa a área máxima possível de ser construída dividida pela área do lote;
  • A taxa de ocupação máxima permitida para o lote;
  • Os afastamentos frontal, laterais e de fundos; e
  • O tamanho mínimo do lote. 
 Número máximo de pavimentos.
 Coeficiente ou índice de aproveitamento.
 Taxa de ocupação.

Afastamentos.


Críticas ao zoneamento

O zoneamento vem sofrendo muitas críticas. A primeira delas refere-se à rigidez do instrumento, visto que a permissão de uso, por parte do Poder Público, acontece na base do “ou tudo ou nada”. Em outras palavras, a Prefeitura consulta a tabela e, com base nela, permite a construção da edificação, tal como está no projeto, ou nega totalmente. Não existe meio-termo.
Dessa forma, em muitos casos acontecia uma de duas situações: ou a comunidade ficava à mercê do empreendimento, recebendo todas as conseqüências da sua aceitação, sem nenhuma condição, ou o empreendedor tinha seu projeto totalmente negado sem possibilidade de adaptação ou ajuste, às vezes até mesmo acarretando numa subutilização do território (JUERGENSMEYER; ROBERT, 2003).
A outra crítica ao zoneamento tradicional é o fato dele ser, em muitos casos, excludente, na medida em que estabelece zonas nas quais a ocupação tende a ser composta apenas por grupos homogêneos, principalmente das classes mais altas (JUERGENSMEYER; ROBERT, 2003; SOUZA, 2003). Entretanto, o inverso também acontece, quando são criadas grandes zonas destinadas às camadas mais pobres (normalmente seguindo a ocupação já consolidada) e criando verdadeiros guetos.
Para evitar essas desvantagens do zoneamento, algumas variações foram criadas. Entre elas está a própria regulação paramétrica, citada acima, a criação das Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), a vinculação das normas de uso e ocupação do solo ao sistema viário (também citada acima), o Estudo de Impacto de Vizinhança e, em outros países, dispositivos para conferir flexibilidade, tais como as Planned Unit Developments, Variance, Floating Zones, etc (KELLY; BECKER, 2000; JUERGENSMEYER; ROBERT, 2003).
Outra providência importante é apoiar o plano diretor não apenas no zoneamento, mas também nas ações e estratégias a serem promovidas para alcançar os objetivos desejados.

Apesar das críticas…

Apesar de todas essas críticas, é importante não perder de vista que o zoneamento é, sim, um dos instrumentos essenciais para o planejamento urbano de forma geral, e para os planos diretores em particular. A esse respeito, Souza (2003, p. 260) diz o seguinte:
Seria irresponsabilidade sugerir que o controle de usos (e densidades: ou seja, apontando que áreas dentro do perímetro urbano são adensáveis e que áreas devem ter seu adensamento inibido, pelo fato de sua infra-estrutura já estar saturada ou em vias de saturação) deva ser visto, generalizadamente, como alguma coisa ruim ou inteiramente supérflua.

Florianópolis: exemplo de área não ocupada por influência direta do zoneamento de uso e ocupação do solo
Com efeito, muito do controle de crescimento e ocupação de áreas inadequadas tem sido efeito da aplicação do zoneamento. Da mesma forma, ele tem contribuído, em certo grau, para evitar a instalação de usos impactantes em locais impróprios. Portanto, ele tem um papel importante a desempenhar, a despeito de suas muitas falhas. A questão é ajustá-lo de forma a evitar que ele seja utilizado como um instrumento para segregar classes sociais e/ou usos que deveriam estar integrados. Como bem aponta Maricato (2001), não podemos jogar fora a água do banho com a criança dentro.

Referências bibliográficas

JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
JUERGENSMEYER, Julian Conrad; ROBERT, Thomas. Land use planning and development regulation law. St. Paul: Thomson West, 2003.
KELLY, Eric; BECKER, Barbara. Community planning: an introduction to the comprehensive plan. Washington: Island Press, 2000.
SOUZA, Marcelo Lopes. Mudar a cidade: uma introdução crítica ao planejamento e à gestão urbanos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003

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