OS JUÍZES DA INTERNET SÃO FORTES E É MELHOR SER CUIDADOSO


Flavia Gamonar
Prof. Doutoranda em Mídia e Tecnologia

Ontem de manhã logo que abri os olhos, no vício de olhar para o celular antes mesmo de despertar, fui surpreendida pela terrível notícia da queda do avião que matou tanta gente do Chapecó. Logo cutuquei meu marido e falei para ele "olha só que horrível essa notícia" e ele, acordando, também ficou assustado e muito triste. Ligamos a TV e o assunto era apenas aquele em todos os canais. Era uma noite de sono normal para nós, mas uma noite de horror para gente tão querida e seus familiares, que em seguida saberiam da triste notícia. Impossível não se colocar no lugar, não pensar nos voos que pegamos, nos familiares que nos esperam e nas tantas vezes em que na correria do dia a dia trabalhamos mais do que devíamos ou fizemos escolhas erradas.
Enquanto eu me arrumava para ir trabalhar acompanhei chateada o noticiário, percebendo mais uma vez o quanto a vida é frágil e como tudo pode mudar em um piscar de olhos. Fiquei melancólica e realmente triste, não eram meus familiares e eu tampouco torcedora ou apreciadora de futebol, mas fui tocada igualmente ao me colocar no lugar deles.
Assim que me sentei para trabalhar em frente ao computador fui notando que minha timeline toda só falava disso, todos comovidos. E também vi pessoas pedindo antecipadamente pra ninguém compartilhar conteúdos que pudessem ferir ainda mais num momento tão difícil. Não demorou muito para que algo acontecesse, como sabido por muitos: uma página de Facebook de um portal divulgando posts do tipo "10 fotos de pessoas antes de morrerem" ou "o que alguém sente quando um avião cai". Claramente, para muitos, era uma afronta falar de assuntos assim em um momento tão doloroso e o tribunal da internet não aceitou. Eu também não aceitei e achei feio, sensacionalista.
Em seguida o caos foi armado. Uma crise enorme acontecia naquela página, milhares de descurtidas e muitos comentários criticando o conteúdo por eles gerado. Então, o portal tenta pedir desculpas, mas soa mais rude ainda e uma nova crise, ainda pior, começa. Lives mostravam as descurtidas em tempo real, mostrando claramente que esse mundo conectado, em rede, já é baseado e valoriza essas pontuações virtuais.
Curtidas são como endossos e descurtidas são como reprovação muito alta, numa espécie de Black Mirror bem real.
Uma última nota pedindo desculpas nomeava um responsável, não se sabe se ele realmente foi a pessoa que quis levar o sensacionalismo adiante ou se ele apenas quis proteger a equipe diante da crise que estava armada. Não colou muito. A página continuou publicando como se nada tivesse acontecido, o que despertou ainda mais a ira das pessoas.
Mas o que há por trás de tudo isso? O assunto em questão é sobre como as pessoas se comportam na internet há algum tempo. Em um país com tanta injustiça, fomos percebendo que pelas redes sociais poderíamos nos unir para lutar por causas. Fomos às ruas pela situação na política e combinamos esta movimentação pelas redes sociais. Não aceitamos quando um bar foi machista com frequentadoras e rechaçamos sua página no Facebook com avaliações negativas que não podiam ser apagadas, reprovamos com descurtidas quando uma Youtuber cuspiu na boca de seu gato ou quando um vídeo mostrou uma garota quebrando um copo na cara de um segurança de casa noturna, só porque queria passar na frente e depois foi arrogante em suas justificativas em sua página. Infelizmente, o outro lado da moeda é que em alguns casos pessoas foram apedrejadas injustamente ao serem confundidas ou alvo de boatos.
Câmeras em todos os lugares não deixarão nada passar em branco. Provas em suas redes sociais, comunicadores e ligações, poderão te destruir rapidamente. O que você fez há dez pode vir à tona quando menos esperar.
A princípio era puro clique ativismo, mas ele foi evoluindo. Alcançamos um impeachment, que a meu ver foi bastante estimulado e desejado via redes sociais. Descobrimos que reclamar sozinho não resolvia muito, mas que o panelaço digital poderia funcionar e foi assim que reagimos ao não engolir o desrespeito em um momento tão doloroso quando uma página postou conteúdos sensacionalistas para atrair tráfego, esquecendo completamente que no cenário atual não faz sentido apenas esses números.
Tráfego é diferente de audiência. Tráfego funciona bem com polêmicas, mas é baseado em picos e não se sustenta. Audiência é fiel, volta, aposta, endossa, consome, sustenta.
E o que aconteceu ontem foi uma perda enorme de audiência e um aumento absurdo de tráfego, o que nos mostra que realmente esses números não são nada, se conquistados desta forma. Você como marca que anuncia em um portal, acharia bacana ter um aumento nas visualizações, mas talvez se queimar ao estar lá ali associada em um contexto negativo? A questão da credibilidade é algo sério e uma marca ou pessoa pode manchar a reputação de outrem ao se combinar da mínima forma com este.
Os juízes da internet que nos tornamos tem um poder destruidor em seus dedos. Quietos de seus smartphones e computadores, podem conseguir o que quiserem. Marcas que ainda não entenderam que um simples escorregão pode virar algo terrível correm sérios riscos. Mas, pior que isso, é não compreender como uma crise deve ser gerenciada.
Em todos os recentes casos de crises digitais que pudemos acompanhar, uma lição pudemos aprender: a arrogância só piora. O pedido sincero de desculpas e o assumir o erro ajudam, mas também não desfazem o caos criado.
A internet se tornou um terreno perigoso e cair nela como alvo pode significar o seu fim como pessoa ou marca, afinal, a extensão e o alcance são tremendos. Aqui fazemos e dizemos coisas que nem sempre faríamos e diríamos ao vivo. É possível destruir a vida de alguém em poucas horas. É uma arma potente que ninguém imaginou há alguns anos que seria assim.
O episódio deixa claro que as pessoas estão cansadas de injustiça, de mentiras, de sensacionalismo.
E postagens recentes reforçam que até a questão da credibilidade dos conteúdos está em alta e que a circulação enorme de boatos e click-bait buscando apenas likes e views não é mais suportada. Estamos realmente vivendo o marketing 3.0 pregado por Kotler, aquele que diz que agora alma e espírito importam também para entender e valor o consumidor. É tipo aquele "a gente não quer só comida", em um novo contexto.
Refletir muito antes de fazer algo na internet deve ser algo cada vez mais frequente. Marcas já não podem mais fazer o que der telha em nome de tráfego e quem escolhe agora onde reclamar é o público, ele pode usar todas as redes sociais que desejar pra falar sobre algo ou alguém e não há como pará-los, o compartilhamento é exponencial e absurdo. Não importa se você tem dinheiro, nome ou poder, há situações irreversíveis quando o assunto são marcas, pessoas e redes sociais. Fica a lição pra sermos cada vez mais cuidadosos.
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